Micronacionalismo

De Micropedia
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O termo “micronacionalismo” foi amplamente difundido na metade da década de 1990 e sua autoria normalmente atribuída a Robert Ben Madison, muito embora tenha aparecido primeiro em um compêndio de fatos pouco usuais em 1976, literalmente significa “pequenas nações”, para referir-se ao fenômeno do surgimento de pequenas entidades organizadas como Estado-Nação não reconhecidas, muito embora a expressão também abarcasse entidades criadas no século XIX. A contraparte dessa expressão é “macronação”, que refere-se às nações consagradas, especialmente as que integram as Organizações das Nações Unidas e que não se confundem com os microestados, que são Estados internacionalmente reconhecidos mas são pequenos em extensão geográfica.

Micronações, em síntese, são entidades que visam, em variada escala substituir, parecer, zombar ou coexistir com Estados reconhecidos e independentes nos termos do Direito Internacional. Em comum, projetos micronacionais podem estabelecer a já mencionada organização na forma de Estado-Nação, mas expressar reclamações territoriais, podem desenvolver símbolos e contabilizar cidadãos e, este último aspecto, naturalmente varia em termos de aquisição e experiência sociopolítica dentro do projeto micronacional.

Um critério comum para distinguir micronações de países imaginários, tribos, clãs e outras entidades é a procura pelo reconhecimento de sua soberania. Ocorre que essa definição é, por excelência, muito rasa. Ora, se uma micronação procura ser um meio de ativismo artístico, por exemplo, o viés político da “independência” é mais um ato artístico do que de Direito Internacional. Se um projeto micronacional vislumbra a sátira, mas se organiza como Estado-Nação e detém nos termos basilares da Convenção de Montevidéu, ela então seria apta ao reconhecimento?

A Convenção de Montevidéu Sobre os Direitos e os Deveres dos Estados de 1933 foi a tentativa de estabelecer critérios objetivos para integrar um Estado à comunidade internacional na melhor forma do Direito Internacional, apesar de não ser unânime ainda que corresponda à compreensão majoritária sobre o tema, mesmo que por meio do Direito Consuetudinário, e não por força da convenção per se. No que diz respeito às micronações, algumas efetivamente reclamam estar em harmonia com os critérios mais básicos estabelecidos pela Convenção, ao passo de que a esmagadora maioria ignora as exigências da mesma.

Ao longo dos anos, projetos micronacionais ganharam uma gama mais extensa de denominações, em uma tentativa de classificar a ampla variedade de micronações que surgiram. Algumas dessas novas denominações com utilização mais corriqueira foram cibernações, país ou nação-modelo, novo projeto de país, nação online ou, em menor uso, pseudonações, contranação ou estados efêmeros. A micropatriologia, que é o estudo da atividade micronacional, vem buscando desde seus primórdios a classificação dos projetos que surgem, mediante análise de suas características e inúmeros critérios foram estabelecidos e substituídos e contestados, o que leva à grande confusão na compreensão da atividade micronacional e, não raras vezes, conflito entre micronacionalistas de vertentes variadas.

Micronacionalismo: um breve histórico e sua evolução

O século XVII presenciou a ascensão do conceito expresso pelo Tratado de Osnabrück e Münster, conhecidos pelo nome de Paz de Vestfália, que marcou o princípio do sistema moderno observado pelo Direito Internacional e consagrado como um dos momentos mais impressionantes da prática diplomática de todos os tempos, ainda que sua interpretação seja desafiada em algumas ocasiões.

Foi apenas no século seguinte que as primeiras entidades que podem ser classificadas como micronações surgiram. A maioria dessas empreitadas ditas micronacionais surgidas no século XVIII e XIX eram aventuras excêntricas ou ambiciosas empreitadas financeiras com sucesso variado. Neste escopo, destaca-se o caso do Reino de Sarawak, fundado em 1841 e que sobreviveu até o ano de 1946, surgido como um “Estado paralelo”, tornando-se efetivamente soberano, passando a protetorado britânico e então, tornando-se parte da Malásia, status que se mantém até os dias atuais. Esse caso em específico é o que iniciou a tradição de crer que projetos micronacionais, para o serem, precisam vislumbrar a independência e reconhecimento.

Exemplos contemporâneos ao Reino de Sarawak foram os desastrosos estabelecimentos do Reino da Araucânia e Patagônia (1860-1862), violentamente reprendido pelos governos do Chile e da Argentina mas com pretendentes ao trono até os dias atuais e o Reino de Sedang (1888-1890), cuja história confusa e turbulenta contra o Vietnã, França e Inglaterra terminou com a morte de seu fundador. Do mesmo período, sobrevive até o presente o Reino de Redonda; formalmente uma dependência de Antígua e Barbuda, fundada em 1865, não obteve êxito em declarar-se independente, mas conseguiu manter-se como uma fundação literária com sua própria monarquia e aristocracia – e quatro pretendentes ao trono.

Apesar dessas histórias de absoluto fracasso ou de sucesso moderado, há ainda um marco histórico na definição de micronação, estabelecido, em certa instância, por Lundy, uma ilha britânica cujo proprietário no início do século XX emitiu suas próprias moedas e selos postais, ainda que jamais tenham se declarado independentes do Reino Unido apesar de ser comumente mencionada como tendo sido governada como um feudo. Este exemplo tornou-se o precursor das chamadas “micronações territoriais” ou “derivatistas”.

À parte das aventuras do século XIX, foi na segunda metade do século XX que houve o chamado “renascimento micronacional”, com inúmeras micronações territoriais sendo fundadas e lançando base para os projetos que viriam no futuro, especialmente as que surgiriam nos países de Língua Inglesa. O exemplo mais famoso, o grande expoente das micronações fundadas neste período é o Principado de Sealand, fundado em 1967. O período também observou inúmeros projetos que ambicionaram ou levaram a cabo a construção de ilhas artificiais. Destes, dois tiveram sucesso na construção, mas com seus projetos micronacionais atacados e desmantelados: a República da Ilha Rosa, fundada em 1968 e destruída pela Marinha Italiana e a República de Minerva, fundada em 1972 e anexada por Tonga.

Na década de 1980, o Japão vivenciou um fenômeno micronacional próprio, com inúmeras localidades declarando-se independentes como forma de chamar atenção para sua cultura e dialetos, tendo realizados diversos encontros micronacionais e uma saudável e lucrativa indústria turística que trazia o público urbano ao interior. O movimento arrefeceu com a crise econômica de 1991, quando muitos dos vilarejos que integraram o movimento micronacional foram reforçadas a se fundir com cidades maiores, dissolvendo as entidades micronacionais.

Na atualidade, diferente dos pioneiros micronacionais, com suas atividades militarizadas ou calcadas na prática comercial, o micronacionalismo tornou-se quase que um hobby praticado por jovens quase que integralmente pela Internet, em inúmeras comunidades e setores on-line com alguns desdobramentos fora do setor virtual. A internet proveu para o movimento micronacional um caráter inédito de profissionalismo e visibilidade, dando origem a centenas de projetos desde o início dos anos 1990, mas também fragmentando o movimento micronacional em diversos tipos de práticas, uma vez que, enquanto movimento social, o micronacionalismo é tão sujeito à mudanças quanto qualquer outra prática social. Se antes as micronações poderiam arrebatar centenas de defensores e cidadãos com considerável distância entre elas, agora é absolutamente comum encontrarmos as “nações de um homem só” ou então, em expressão menos lisonjeira, “Egostão”; projetos criados puramente para vaidade de seu líder. A prática micronacional é global e plural, mas é especialmente popular nos países de Língua Inglesa.

Destas micronações que se beneficiaram da presença online, destacam-se o Reino de Talossa, fundado em 1979, porém presente na internet desde 1995, e a República Real da Ladônia, que existe como território físico e virtual, fundado em 1996.

Classificando projetos micronacionais

Com a popularização do tema, natural que a micropatriologia também avançasse. Despertando interesse não apenas na mídia, mas também na academia, micronações passaram a ser não apenas um fenômeno social a ser observado, mas também a ser estudado, contando já com considerável número de artigos acadêmicos e publicações literárias dedicadas ao tema. Um dos focos de estudo dos micropatriologistas é a qualificação de uma micronação; isto é, que tipo de projeto é a aquela micronação e se, por suas características, pode ser assim considerada.

Introduzindo brevemente o tema, iniciemos com conceituações relacionadas ao macronacional ou, como observado, ao “eixo da realidade”; isto é, instituições sujeitas ao Direito Internacional amplamente reconhecidas com relações soberanas em maior ou menor escala.

“Entidades supranacionais” compreendem um conjunto de micronações, que por força de tratado, assumem funções governamentais ou administrativas ordinárias, sendo também mantida por uma coletividade de macronações, tendo por expoente e melhor exemplo a União Europeia.

Por sua vez, “macronações”, como já mencionado anteriormente, são entidades soberanas em seu próprio território e não possuem relação de dependência com outras macronações e, por definição, correspondem aos princípios da Convenção de Montevidéu e integram a Organização das Nações Unidas; no mínimo, contando com reconhecimento da comunidade internacional, como a Espanha ou Portugal, por exemplo.

“Microestados reconhecidos” são os Estados que tenha sua soberania reconhecida pela comunidade internacional, mas devido ao seu tamanho, podem ter relação de dependência com outras macronações, como é o caso de Andorra ou Nauru. A variação não reconhecida de um microestado seria a posse e exercício de facto de soberania sobre um território sem o reconhecimento de macronações.

Isto posto, adentramos na classificação dos projetos micronacionais. A literatura micropatriológica convenciona, em sua maior parte, que micronações podem ser categorizadas pelos padrões de “simulação sócio-político-econômica”, “simulação histórica”, “exercícios de entretenimento pessoal e auto-engrandecimento”, “exercícios de fantasia, ficção ou expressão artística”, “forma de promoção de agenda”, “para meios de fraude”, “anomalias históricas e Estados aspirantes”. “exercício de revisionismo histórico” e “projetos de novos países”.

As micronações de simulação sócio-político-econômica tendem a apresentar-se de forma séria, com envolvimento de participantes maduros e normalmente envolvidos em atividades sofisticadas e estruturadas para emular operações de uma macronação. Sob esta definição, amplamente aceita, encaixam-se a Cidade Livre de Christiania, uma micronação ou, sob a visão do governo dinamarquês, uma comunidade autônoma fundada em 1971 e o Sacro Império de Reunião, micronação brasileira fundada em 1997. Ocorre que mesmo encaixando-se nesta definição, estas ainda se diferenciam por uma ser chamada de derivatista e a posterior, como simulacionista; essa variação será tratada mais adiante.

As simulações históricas na forma de um projeto micronacional, nos mesmos moldes das simulações sócio-político-econômicas tendem a aparentar seriedade e profissionalismo, mas seu foco é o de emular instituições e situações e culturas passadas, normalmente greco-romanas ou medievais. O destaque desta categoria fica à cargo de Nova Roma, fundada em 1998 e hoje, afastando-se de seu viés micronacional e sendo, desde 2016, uma organização educacional e religiosa sem fins lucrativos.

Às centenas, há as micronações devotadas ao entretenimento e ao auto-engradecimento, que constituem a maior parte dos projetos micronacionais em vigor na atualidade. Esta categoria possui características diversas, mesclando características das mencionadas anteriormente, porém, limitam-se normalmente à atividade exclusivamente online e duram poucas semanas ou meses, ainda que seja uma categoria com exceções muito notáveis que confirmam a regra. São as exceções notáveis mais expressivas o Império Aericano, fundado em 1987 sob um aspecto de projeto pythonesco e a República de Molóssia, fundada em 1999 e já parada obrigatória entre os turistas de Nevada, Estados Unidos da América.

Os exercícios de fantasia, ficção ou expressão artística que usam da prática micronacional são deliberadamente criados para expressar uma visão artística, fantasiosa e constituem per se obras de arte, ignorando em grande parte os aspectos políticos que podem ser verificados nos projetos micronacionais de outras vertentes. Exemplos desta categoria são a República Real da Ladônia, cujo território é uma faixa peninsular da Suécia onde se encontram criadas por Lars Vilks em 1996 e o Principado de Lorenzburgo, micronação também sueca que promove a “paramitocracia”, isto é, uma micronação que com a ajuda do município de Karlstad, promove turismo e narrativa coletiva.

Assim como a arte pode se utilizar da prática micronacional para sua promoção, é comum que grupos que defendem uma causa vez ou outra se interessem e se organizem de forma semelhante. Micronações criadas para defesa ou promoção de uma agenda específica estão usualmente associadas com agendas progressistas e reformistas e visam atenção midiática para a questão a ser defendida. Alcançou certo renome a República da Concha, fundada em 1982 motivada por um bloqueio e posto de controle da Patrulha de Fronteira dos Estados Unidos que incomodou moradores e turistas e o Reino Gay e Lésbico das Ilhas do Mar do Coral, criado em 2004 frente à recusa do governo australiano em reconhecer uniões homoafetivas, mas dissolvido com a mudança na legislação em 2017.

Se por um lado a prática micronacional é reconhecida por atrair artistas e ativistas aventureiros no melhor uso da expressão, há também quem se atreva ao uso da prática micronacional para propósitos funestos. É famoso o exemplo do Domínio de Melchizedek, fundado em 1990 e que supostamente reclamava soberania sobre diversas pequenas ilhas no Oceano Pacífico com o intuito de se constituir em um paraíso fiscal, e cujos criadores foram processados pelas práticas de diversos crimes. Outra micronação que normalmente sofre intervenções legais é a República Livre de Liberland, fundada em 2015 e acusada de vender cidadanias a refugiados sírios em troca de asilo, o que naturalmente, não pode oferecer.

Categoria interessante é composta pelos Estados aspirantes e anomalias históricas. Diferente das demais, essas micronações são fundadas com aspirações genuínas de se tornarem Estados soberanos e surge de anomalias históricas ou interpretações excêntricas da lei, o que as tornam suscetíveis de serem confundidas com macronações. Normalmente, localizam-se em pequenos e disputados enclaves territoriais e com atividade econômica baseada em turismo, filatelia e numismática. Na melhor das hipóteses, são tolerados pelas macronações que as cercam e, na pior das hipóteses, ignorados. São exemplos desta categoria o Principado de Seborga, cuja fundação remonta ao ano de 1963 com base na ausência da região no Ato de Unificação do Reino da Itália em 1861 e, portanto, à parte da unificação a macronação vizinha e o famoso e midiático Principado de Sealand, fundado em 1967 sobre uma plataforma de bateria antiaérea britânica do período da Segunda Guerra Mundial e baseando sua legitimidade em uma interpretação de uma decisão dos tribunais britânicos em 1968, que destacava que a Roughs Tower, onde se localizava a micronação, estava fora da jurisdição das cortes domésticas.

Ainda em relação à eventos históricos, existem os projetos referentes ao revisionismo histórico. É uma categoria com poucos exemplares e, ao surgirem, tendem a apresentar-se como “governo-no-exílio”, muito embora não contem com o apoio de nenhum grupo político e sua relevância seja diminuta, no melhor dos casos. O exemplo consagrado e sempre utilizado para esta categoria de atividade micronacional é o Governo Provisório Imperial, fundado em 1985 e que autoproclama representar o governo do Império Alemão em suas fronteiras pré-1914.

Por último, existem projetos de novos países. Normalmente envolvem a ideia de comprar ou construir uma ilha artificial e fundar uma nação sob os auspícios de ideologia libertária ou liberal e democrática. Exemplos marcantes são a República de Minerva, fundada em 1971 em uma ilha artificial e invadida e anexada por Tonga no ano seguinte e o Principado da Freedônia, fundado oficialmente em 1997, tentou obter terras entre 2000 e 2001 e confrontos por essa aquisição territorial resultaram em uma morte e na dissolução do projeto.

Ainda no plano do “eixo da realidade” micronacional, há algumas outras definições interessantes que merecem nossa atenção. As “protonações”, que são micronações localizadas no território físico que reclamam, mas não busca ativamente afirmar sua soberania contra uma micronação, o que é o caso declarado pelo Reino de Talossa. São denominadas “metanações” as micronações que definem possuir uma “pátria espiritual”, ao passo que possuem uma estrutura de governo ativa, não necessariamente localizada nesse território e é exemplo sempre citado para esse caso o Sacro Império de Reunião. São “pseudonações” aquelas criadas para serem simplesmente de fantasia ou para o role-playing game, ao passo que “ego-nações” são as que consistem de poucos cidadãos e cujo objetivo é atribuir pompa e circunstância aos seus mantenedores.

Encerrada a análise do “eixo da realidade”, isto é, do eixo de estudo entre macronações e micronações, dos pontos de convergência aos de divergência entre os conceitos, é preciso analisar, então, o “eixo do derivatismo”, que se aplica apenas à micronações, e é uma análise de similaridades entre as entidades micronacionais, em referência aos paralelos macronacionais, podendo acumular as definições deste eixo com a do eixo da realidade. Em termos simplificados, trata da micronação “mais realista” à “menos realista”.

Uma micronação dita “derivatista” é comprometida em estabelecer instituições que pareçam e ajam como instituições micronacionais, tais quais uma moeda corrente, forças de defesa, noticiário, parlamento e afins, como por exemplo, o Principado de Aigues-Mortes. O projeto que se encaixa na definição de “semi-derivatista” é a micronação que, influenciada pelo realismo, mescla esse comprometimento com o derivatismo com instituições mais focadas no escopo micronacional, como é o caso da República de West Who.

Na sequência, podemos observar as micronações “semi-peculiaristas”, que detém elementos derivatistas no sentido de aparentar profissionalismo e seriedade e “peculiarismo”, que por sua vez, é o projeto micronacional que espelha a aparência de instituições macronacionais, mas as visualiza como base de sua expressão cultural enquanto micronações. Um exemplo de micronação semi-peculiarista é o Sacro Império de Reunião, enquanto um exemplo de micronação peculiarista poderia se aplicar à também lusófona micronação das Províncias Unidas de Maurícia ou à muito tradicional República de Porto Claro. Por último, as micronações “fantásticas” ou “fantasiosas”, como sugerido, não fazem esforço em emular instituições macronacionais, constituindo pura fantasia, portanto.

Para fins de análise, e ainda podendo acumular com as definições já apresentadas, há o chamado “micronacionalismo temático”. Micronacionalismo temático é o conceito de que micronações baseiam um ou mais aspectos de seu projeto em uma temática particular, mormente uma temática cultural, mas também podendo se aplicar a aspectos econômicos, políticos ou religiosos.

Essa variante do micronacionalismo se subdivide entre a temática “histórica”, onde os projetos usam por tema uma era histórica em particular ou, em alguns casos, com elementos “futuristas” e por esse viés de “releitura”, são usualmente – e de forma equivocada – confundidas com simulações históricas; a variante “geográfica” tem sua temática em torno de uma nação ou local em particular, enquanto a variante “religiosa” tem sua grande inspiração em elementos de uma ou mais religiões, existentes ou criadas para propósitos micronacionais. As do tipo “político” tem sua inspiração maior em uma base política específica, normalmente, socialistas-comunistas, mas com também já tendo sido verificados exemplos nacional-socialistas.

Para exemplificar o exposto acima, citamos o Império da Austenásia e o Reino de Imvrassia como micronações de temática histórica, replicando cultural romano-bizantina e greco-romana, respectivamente; representam a modalidade “geográfica” o já extinto Império de Pavlov e a Comunidade da Zelândia, cuja inspiração encontrava-se na Rússia e na Escandinávia, respectivamente. Na modalidade religiosa, destacam-se o Estado de Sandus e sua inspiração budista e o Reino Templário, que se autointitula como sendo o “Vaticano Protestante”. Na variante política, podemos utilizar dois exemplos em espectros opostos: a Comunidade Federal de Sirocco, anticomunista com elementos da década de 1950 em sua estrutura (sendo, portanto, histórica também), e a micronação brasileira e hoje extinta União das Repúblicas Socialistas Populares, que visava reunir todas as correntes marxistas em uma mesma micronação.

Teoria do plano paralelo

A teoria do plano paralelo surgiu para a micropatriologia em 2017, quando do acontecimento do Congresso de Colo, um evento intermicronacional que tinha por objetivo criar procedimentos padronizados para a diplomacia, economia, soberania micronacional e outros elementos de Estado. Participaram desse evento os maiores projetos micronacionais identificados como derivatistas no continente americano, a saber: a Grande República de Delvera, a Confederação Norte-Americana e o Kárnia-Rutênia.

Nomeada como “Resolução sobre Soberania Micronacional”, foi escrita pelos participantes do congresso, considerando que existem micronações e macronações com seus deveres e responsabilidades estabelecidos, mas que não se sobrepunham, e que uma vez que micronações teriam poder a ser exercido sobre as esferas social, cultural e econômica, a autoridade micronacional se basearia inteiramente no consentimento dos governados e não através do “uso da força”, característica típica do poder de coação do Estado “clássico”.

Ainda, verificando que as leis micronacionais são aplicadas mediante a aplicação de punições acordadas via consensus ad idem e de acordo com restrições macronacionais à violência (uma vez que, como afirmado anteriormente, micronações não tem poder de coação), micronações não ignoram que seus cidadãos micronacionais possuem igualmente uma cidadania macronacional e, desta forma, considerando que macronações não toleram desafios à sua autoridade na forma de movimentos secessionistas ou separatistas (e que nem isso necessariamente precisa ser o objetivo de um projeto micronacional respeitável), governos micronacionais que efetivamente se colocam como “servidores” dos cidadãos que se lhes dispuseram por manifesto de vontade e consciência, devem proteger seus cidadãos de dificuldades e perseguições desnecessárias nas mãos de macronações em relação a movimentos micronacionalistas irresponsáveis, com observação notável aos projetos ditos “secessionistas” ao invés de “derivatistas”.

Por essa lógica, a soberania dita micronacional e a soberania macronacional não se excluiriam mutuamente, mas coexistiriam e se aplicariam onde de direito e, para os casos em que micronações buscassem o status de Estado Macronacional, haveria uma alteração em sua base de autoridade e, portanto, de seu caráter nacional.

Isto posto, impossível seria não reconhecer que governos micronacionais não mantêm o monopólio do uso da força exercido pelas macronações e que estariam sob a jurisdição das leis da macronação afetada e arcariam com a identificação talvez equivocada como sendo um movimento que buscasse usurpar o monopólio da força macronacional, o que naturalmente extrapolaria o viés micronacional de qualquer projeto. Naturalmente, a resolução não se aplicaria ao direito de autodeterminação de qualquer pessoa ou povo, ou de seu governo representativo.

A teoria repercutiu em algumas micronações. Além das micronações que protagonizam a coautoria da resolução, a Comunidade de Deseret, a República de West Who, o Império de Adammia e o Principado de Ermenstein acabaram adotando a teoria como parte de sua filosofia e consciência micropatriológica.

Como era de se esperar, houve também críticas à nova teoria, apesar de insipientes. Os micronacionalistas adolescentes Tom McMillan e Will Campbell tentaram desenvolver a teoria entre o final de 2017 e o início de 2018 para fundamentarem o movimento que eles próprios procuravam estimular, denominado em um curtíssimo artigo como “Novo Secessionismo”. Ocorre que para suas grandes ambições, a teoria não se encaixava por parecer “simulacionista por natureza”, ignorando os preceitos mais básicos da teoria: micronações não podem coagir cidadãos e não conseguem disputar com macronações pelo uso da força.

Para esses críticos, a resolução confrontava diretamente a ideia de que micronações devem tornar-se independentes. Apesar dessa argumentação, é interessante observar que o projeto micronacional liderado por esses críticos contava com elementos mitológicos e emulava a economia do Reino Unido da Grã-Bretanha, o que lhe traria a classificação clássica de micronação semi-peculiarista. Apesar da ironia trazida pelos fatos, o projeto colapsou, existindo alegadamente desde 2014 até meados de 2019.

Outro aspecto levantado pelos referidos críticos para “melhorar” a teoria ou “torná-la aplicável” era a comparação com o princípio de soberania tribal nos Estados Unidos. Um erro, naturalmente: apesar de o governo tratar algumas tribos indígenas como “nações dependentes domésticas”, esse conceito cria autoridade inerente à tribos de se autorregularem em assuntos tribais apenas, o que pode ser encarado, na melhor das hipóteses, como autonomia limitada.

A teoria do plano paralelo, como todas as teorias, não é absoluta reprodução da verdade e tende a ser desenvolvido, melhorada ou adaptada, mas é inegável que corresponde à prática: micronações surgem e seus governos desenvolvem capacidade na medida que cidadãos se unem ao projeto e oferecem aos governantes o privilégio de governá-los, o que sim, significa delegar-lhes poder e autoridade, na medida em que estes aceitem o referido poder e autoridade. De outra forma, seja por incapacidade absoluta de forçar autoridade ou por ausência completa de cidadãos, sob essas circunstâncias deixa de contar com sua forma de Estado, dado que um elemento básico para ser assim classificado é ter uma população física e controle sobre a região que reclama. Sem força de controle e sem população que aceite essa força, não há nem micronação, nem macronação.

Referências